segunda-feira, 11 de março de 2019




HOMILIA DA MISSA POR CURA E LIBERTAÇÃO
DAS RELAÇÕES FAMILIARES CONFLITIVAS

“Se alguém não cuida dos seus parentes, e especialmente dos de sua própria família,
negou a fé e é pior que um descrente.”  (1Timóteo 5,8)

A nossa missa por cura e libertação desta noite do primeiro domingo da quaresma, nos convida para olharmos para as nossas relações familiares, e dentro desse espírito quaresmal, procurar olhar para as situações e atitudes que tem deteriorado nossas relações familiares. Quaresma é tempo de penitência, mas, principalmente, tempo de conversão, ou seja, mudança de vida, mudança de atitudes, mudança de mentalidade... Mudança é a palavra chave que tem que nos motivar nessa missa em que buscamos a cura dos conflitos familiares.

E a liturgia da Palavra deste domingo traz o tema do deserto e das tentações. Deserto é um lugar árido, onde há dificuldades e onde experimentamos nossos limites e dentro do tema das tentações, nossa fidelidade é testada. Mas o deserto também tem uma perspectiva pascal: ele é um caminho que temos que trilhar, enfrentar nossos limites, vencer as tentações, para chegar à terra, como diz a primeira leitura: “Onde corre leite e mel” (cf. Dt 26,9). De um lado está o Egito, lugar da escravidão, da opressão, do sofrimento e da dor; do outro, está a terra prometida, onde corre leite e mel, lugar da vida nova, transformada para melhor, lugar onde Deus nos quer.

Se o evangelho vai evidenciar o deserto como lugar das tentações, e mostra que até Jesus passou por elas, a segunda leitura, da Carta aos Romanos, deixa claro que não passamos por ele sem termos uma arma poderosíssima para vencermos essas tentações: a fé. Uma fé que vem da Palavra de Deus. Não confessada unicamente com a boca, mas que está em nossos corações.

Mas, a pergunta que faço diante das situações conflitivas vivenciadas pelas famílias é a seguinte: por que muitos ao invés de se apegar a fé que possui, deixam-se levar pelas tentações? Ao invés de enfrenta-las, se entregam.

Onde está a raiz da maioria dos conflitos vividos pelas nossas famílias hoje? É claro que não tenho a pretensão de esgotar, mesmo porque isso é impossível, pois, cada família vive seus próprios conflitos e com as razões mais variadas. Porém, alguns fatores são comuns a todas elas. São desses fatores que quero falar.

Falar de relacionamento é complicado porque não existe relacionamentos idênticos, assim como não existe uma receita única para enfrentar os problemas e conflitos. A base de um bom relacionamento está dentro de nós mesmos, a partir da decisão de nos conhecermos e procurarmos conhecer o outro.

Em se tratando de relacionamento conjugal o grande risco é de achar que com o casamento aquela fase de conhecimento passou. O outro é e sempre será um mistério inesgotável. Muitos relacionamentos conjugais entram em conflito porque se cai numa tentação frequente entre os casais: achar que o namoro acabou. E com o fim do namoro, termina também aquele afeto de antes, a troca de carinho, os olhares já não são mais os mesmos.

A estabilidade de um relacionamento afetivo exige que a chama do amor não se apague. E o amor se manifesta na maioria das vezes na forma de carinho, carícias e afetos. E tudo isso é uma via de mão dupla, num movimento constante de troca, de dar e receber afeto. Quando somente uma das partes cumpre esse papel a relação está entrando numa fase de riscos, acendendo o sinal amarelo para o fato de que alguma coisa não está bem, de que pode estar havendo carências. E carência quando não resolvida, pode fazer estrago em qualquer relacionamento.

Outro risco no relacionamento conjugal, e que também afeta o relacionamento familiar entre casal, pais e filhos... é o egocentrismo. Egocêntrico é o indivíduo focado em suas próprias necessidades de forma exagerada. Egocentrismo compromete qualquer relação saudável. O egocêntrico acha que é o senhor ou a senhora da casa. Pessoa assim, deseja que tudo corresponda as suas expectativas e necessidades, exigindo da outra parte atenção plena e exclusiva às suas necessidades e desejos.

Segundo a psicoterapeuta Ana Cláudia, existe o egocêntrico passivo e o ativo. O egocêntrico ativo é aquele tão centrado nas suas necessidades e dores, que espera que o outro atenda suas carências, deseja que corresponda as suas expectativas. Esse tipo, ou fica justificando suas necessidades, ou apela para o emocional do outro.

O egocêntrico passivo é aquele tipo de pessoa que tende na maioria das vezes negar seu prazer ou a sua dor, colocando-se em função do outro. É o tipo de pessoa que fica querendo agradar demais, é pegajosa, não dá espaço, não respeita a liberdade. Sempre sufoca o outro, seja o companheiro, a companheira ou os filhos. É o tipo de gente que ao invés de reconhecer suas carências, projeta no outro.

Esses dois tipos de gente egocêntrica geram pessoas que não se entrega a relação, mas usa o outro para suprir suas carências. Gera parceiros que tem dificuldade de amar plenamente o outro. Creio que a maioria da violência doméstica tem origem aí, em pessoas egocêntricas que só pensam em si mesmas e apenas usam os outros para suprir suas carências.

Isso também gera pais e mães que terão enorme dificuldade de lidar com seus filhos. Pais que não se importam com os filhos, que estão mais preocupados com suas obrigações, com seu trabalho, com seu prazer. Gera mães super-protetoras, que roubam a liberdade de seus filhos, sufocando-os ou prendendo-os como que numa “gaiola” ou numa “redoma” alegando estar protegendo e não permitindo que seus filhos façam suas próprias experiências e descobertas.

Tudo isso tem origem na forma de amar. Tem um texto, cuja autora se chama Irlei Wiesel, em que ela fala do amor de duas formas: o amor em forma de casulo e o amor em forma de uma porta aberta para a varanda. Segundo ela, quem ama na forma de casulo é aquele que, em nome do amor, abafa, prende e esconde o outro. É uma forma de amor doentio que sufoca. É um tipo de amor que prende o outro num mundo sem portas e janelas para a liberdade. Há casais que vivem assim, e existem pais que prendem seus filhos num casulo. No amor casulo abafamos o outro e a nós mesmos. Amor casulo é um amor que prende, um amor que consome, um amor que empurra para trás.

A outra forma de amor é o amor em forma de porta aberta para a varanda. A autora chama de amor varanda, pois essa forma de amor sugere abertura. Nessa forma de amor respeitamos a liberdade. Quando amamos com liberdade e respeitando a liberdade do outro, queremos que a pessoa amada cresça. O amor porta aberta para a varanda é um amor que liberta, um amor que aquece, um amor que projeta para frente, que move, um amor que leva a felicidade.

Por fim, gostaria de fazer um apelo ao afeto. Como é interessante que nos esquecemos de coisas elementares na vida. Quando crianças, recebemos e damos afeto sem nenhuma trava. Crescemos, nos abrimos para novos tipos de relacionamentos, seja conjugal, de pais e filhos, de irmãos ou de amigos, e deixamos de manifestar nosso afeto com o outro. Muitas vezes deixamos de abraçar por preconceito ao toque físico. Um médico americano chamado Greg Risberg diz que temos fome de pele, ou seja, precisamos de abraços, E que o abraço cura. Ele diz que um abraço não apenas manifesta afeto, mas nos torna saudáveis. Nos dá mais energia, sensação de bem-estar, reduz a tendência depressiva... O abraço é também uma forma de dizer ao outro que o amamos. Casal, filhos, filhas, irmãos, irmãs, amigos, todos temos necessidade de abraço. Tem uma música cantada pela Banda Jota Quest, chama-se: “Dentro de um abraço”. Ela mostra tudo isso que acabamos de falar.

Que possamos manifestar nosso afeto para o outro. Que os casais, aqui presente, se abracem, que os pais abracem seus filhos, que os irmãos e as irmãs se abracem. E que todos nós nos sintamos abraçados por Deus.

Paz no coração!
Pe. Cristiano Marmelo Pinto

sábado, 9 de março de 2019



HOMILIA DO PRIMEIRO DOMINGO DA QUARESMA
(Dt 26,4-10; Sl 90; Rm 10,8-13; Lc 4,1-13)

Tem um antigo pensamento que diz o seguinte: “Se o pecado fosse ruim, todos seriam santos.” A liturgia da Palavra de hoje nos apresenta as tentações de Jesus. Não se enganem, as tentações têm sempre boa aparência. O diabo para nos tentar, se reveste das mais variadas formas e estratégias, para nos confundir e dar a impressão de que o que ele nos propõe é bom. Mas o resultado é danoso em todos os sentidos.

Em nossos dias oferece-se as pessoas muitas facilidades tentadoras. E infelizmente muitos caem nessas armadilhas do diabo. Quem é que tendo fome já não teve a tentação de sair comendo tudo que encontrasse pela frente? Quem é que já não pensou em conseguir dinheiro de maneira fácil ou obscura? Quem é que já não teve a tentação de conseguir privilégios, poder, as custas da desgraça do outro? Quem é que já não tentou o caminho mais fácil para conseguir alcançar o que queria?

Embora saibamos que a vida não é fácil, procuramos dar o nosso “jeitinho” em tudo, para burlar as dificuldades. Fernando Pessoa tem um poema chamado: “Grande são os desertor”, onde ele diz que: “Grandes são os desertos e as almas desertas e grandes”. Temos medo de atravessar o deserto da vida, e principalmente o deserto da alma. É no deserto da vida e da alma que sofremos as tentações. E a liturgia de hoje nos mostra que é importante resistir para se manter fiel a Deus.

O povo hebreu, tratado na primeira leitura, antes de chegar na terra prometida, teve que atravessar o deserto. Passaram por privações, fome, sede, e tantas outras dificuldades no caminho. Isto mostra que a travessia do deserto não é fácil. As dificuldades enfrentadas podem nos levar a fortalecer nosso ideal, ou nos fazer buscar o caminho mais fácil. Importante é manter-se fiel a promessa de Deus e resistir as tentações e ao desânimo.

Também Jesus, após seu batismo, repleto do Espírito Santo, foi conduzido para o deserto. Lá ele também foi guiado pelo Espírito. Lá ele também sofreu privações. Foi tentado pelo diabo, mas resistiu. Teve fome, mais resistiu à tentação de transformar pedra em pão. Também venceu as tentações de desafiar Deus e de obter o poder tendo que se curvar ao diabo. Quantos por muito pouco vendem literalmente a sua alma para o diabo...? Quantos se entregam a tentação da riqueza fácil por meio do roubo, da desonestidade, da corrupção...? Quantos buscam o poder a qualquer custo, mentindo, difamando, vendendo-se ao diabo...? São pessoas que por dinheiro e poder, aceitam ajoelhar-se diante do diabo, servindo-o e adorando-o.

Adorar a Deus e ao diabo ao mesmo tempo não dá. Jesus diz, citando as Escrituras: “Adorarás o Senhor teu Deus, e só a ele servirás” (Lc 4,8). O diabo também cita a Palavra de Deus. Ele conhece a Bíblia e a cita para seus próprios interesses. O evangelho termina dizendo que: “Terminada toda tentação, o diabo afastou-se de Jesus, para retornar no tempo oportuno” (Lc 4,13). Isto mostra que não é fácil se livrar das tentações. Elas estão em toda parte, inclusive na Igreja, pois o diabo também frequenta a Igreja. Quantas pessoas com atitudes diabólicas encontramos dentro de nossas igrejas, semeando discórdia, fofocas, confusão, buscando facilidades, privilégios e poder...

Para vencer as tentações, a segunda leitura nos dá uma receita: “A palavra está perto de ti, em tua boca e em teu coração. Esta palavra é a palavra da fé que nós pregamos” (Rm 10,8). É claro que a Palavra não deve estar só em nossa boca, pois também o diabo a tem em sua boca. É preciso que ela esteja em nosso coração. Quem tem a Palavra no coração age conforme a vontade de Deus e não se deixa cair em tentação, como rezamos no Pai nosso. Quem assim permanece fiel a Deus e a sua Palavra pode ter a certeza de que: “Nenhum mal há de chegar perto de ti, nem a desgraça baterá à tua porta; pois o Senhor deu uma ordem a seus anjos para em todos os caminhos te guardarem” (Sl 90,10-11).

Que não caiamos em tentação, e que o Senhor nos livre do mal, principalmente daquele mal disfarçado de bem. De pessoas que são más, porém, querem parecer que são boas e bem intencionadas. E não se enganem, pois, como diz o título de um livro que virou filme: “O diabo veste Prada”. Não se engane, o diabo quer se passar por bonzinho.

Paz no coração!
Pe. Cristiano Marmelo Pinto